Autor: Luiz Veroneze – MTB 9830/PR – lucaveroneze@gmail.com
Em um mundo repleto de tudo, desde invenções até obras literárias magníficas, é fundamental entender os destalhes da rotina de autores que construíram grandes legados, ou de autores atuais que se destacam em um mercado tão vasto, como o da literatura.
Fomos pesquisar sobre o que de fato diferencia na rotina entre alguns autores. Ao analisarmos biografias, cartas e diários de grandes nomes da literatura, percebemos que, apesar das particularidades de cada um, há elementos em comum.
Bom, obviamente que um bom escritor se faz com uma dedicação extraordinária a escrita, completa concentração e criatividade para tecer boas histórias. Mas, não necessariamente, precisa deixar de viver ou se isolar completamente do mundo.
Chegar a um elevado nível profissional, exige sim disciplina e consistência. Jane Austen, autora inglesa, acordava cedo, tocava piano, organizava o café da manhã da família e depois se dedicava à escrita na sala de estar, mesmo com o movimento da casa. À noite, lia seus manuscritos para a família. A escrita era parte integrante e constante de seu dia.
Ela tinha uma rotina leve, fato diferente de Honoré de Balzac, um autor monumental que escreveu mais de 120 livros em pleno século XIX, quando não existia computador e nem máquina de escrever. Balzac compôs A Comédia Humana, uma série de 91 livros, isso que ele morreu antes de acabar essa série. Sua rotina era lendária. Dormia pouco, escrevia de madrugada (às vezes por 15 horas seguidas), impulsionado por grandes quantidades de café. Era um regime quase monástico, focado unicamente na produção.
Outro autor francês, Victor Hugo, contemporâneo de Balzac, escrevia todas as manhãs, sentado em sua mesa com um espelho à frente. Sua dedicação matinal era inabalável. Ele escreveu menos livros, mas igualmente livros longos. Os antigos não tinham esse problema de hoje, que hoje temos, de ter muito barulho por perto. Hoje temos TV, celular, internet, veículos, buzinas, gritos, e isso tudo nos tira a atenção.
O americano Ernest Hemingway prezava pelo sossego. Levantava-se cedo, “logo após a primeira luz possível”, e escrevia até chegar a um ponto onde sabia o que aconteceria em seguida, interrompendo intencionalmente para retomar no dia seguinte. Essa interrupção estratégica o ajudava a não perder o fluxo.
Outra autora que valoriza muito seu espaço para escrever, por oferecer a privacidade necessária à criatividade, era Virginia Woolf, que garantia um ambiente propício à concentração e à introspecção. Embora não fosse tão rígida em horários quanto Balzac, a criação de um santuário para a escrita era fundamental.
Continuando essa nossa série de pesquisas sobre a rotina dos grandes escritores, chegamos a Simone de Beauvoir, que garantia em suas primeiras horas do dia, momentos para si, café, leitura, cartas. Depois, começava a trabalhar por volta das 10h, após o chá, até o almoço. À tarde, tinha interações sociais e voltava ao trabalho das 17h às 21h, relendo o que havia escrito no dia anterior para “pegar o fio da meada”. Olhando assim, parece que ela escriva pouco, mas a rotina, de escrever todos os dias, a tornava produtiva. Ela escreveu em sua vida mais de 40 obras, o que é elevado para os padrões da época e até atuais.
Um dos autores mais celebrados da literatura contemporânea, o japonês Haruki Murakami acorda às 4h da manhã e trabalha por cinco a seis horas. Depois, corre ou pratica o nado livre, lê e ouve música, indo para a cama às 21h.
“Mantenho esta rotina todos os dias sem variar. A repetição em si torna-se no mais importante; é uma forma de entrar num estado hipnótico”, comentou Haruki.
Os autores sabem que escrever é sua profissão, aquele é seu trabalho, portanto eles planejam e criam as condições para tal exercício diário. É como o trabalho de um médico, de um advogado, de um jornalista. É preciso buscar um horário e local específicos onde se senta mais produtivo e menos distraído. Para alguns, era a madrugada (Balzac, Murakami, Hemingway). Já Jane Austen e Victor Hugo, preferem escrever pela manhã. Além da escrita em si, muitos autores tinham rituais que os ajudavam a entrar no ritmo, como café, caminhadas ou atividades físicas, uma alimentação equilibrada.
Henry Miller, por exemplo, fazia uma lista de “11 mandamentos da escrita”, incluindo cortar filmes e responder cartas apenas uma vez por semana. Muitos evitavam telefonemas ou interrupções pela manhã, reservando esses períodos para o trabalho mais intenso.
O autor de terror, Stephen King, mantém, igualmente, uma rotina de isolamento absoluto para escrever, não escreve e-mails, nem perde tempo com redes sociais ou respondendo leitores. Não que não o faça, eventualmente. Mas ele afirma que o fato de se dedicar profundamente em escrever, que o torna um escritor de elevado nível e alcance mundial.
As rotinas dos escritores do século XXI, embora adaptadas à tecnologia e ao ritmo de vida moderno, perpetuam os mesmos princípios dos autores dos século XIX. Autores contemporâneos frequentemente falam sobre metas diárias de palavras ou de tempo. Aplicativos de bloqueio de distrações ou de contagem de palavras (como o Scrivener) são as “novas ferramentas” para manter a disciplina que Balzac buscava com o café ou Hemingway com seu método de parar.
A ideia de “escrever todos os dias” continua sendo um mantra, mesmo que por um período curto (10-20 minutos). A consistência é vista como mais importante que a quantidade. Muitos escritores iniciantes, começam em um ritmo intenso, escrevendo de seis a 10 horas diárias, e vão perdendo força, até parar de escrever diariamente, passando a escrever alguns dias da semana, declinando, em determinado momento.
É importante os escritores iniciantes, que vislumbram vivem de sua escrita, que mesmo em um mundo digital, a busca por um “espaço seguro” ou um “escritório em casa” livre de interrupções é vital. Fones de ouvido com cancelamento de ruído, por exemplo, são o equivalente moderno ao “teto todo seu” de Virginia Woolf, criando uma bolha de concentração.
Pontos em comum que tornam um autor produtivo:
Independentemente da época, os elementos que se destacam como chaves para a produtividade de um autor são:
Disciplina inabalável: Este é o pilar central. A capacidade de sentar e trabalhar, mesmo quando a inspiração falta ou a tarefa parece difícil. Isso se traduz em consistência, persistência e autocontrole.
Criação de rotinas e rituais: A rotina transforma o ato de escrever em um hábito, automatizando o início do processo criativo e reduzindo a “fricção” para começar. Os rituais, por sua vez, preparam a mente e o corpo para o trabalho.
Proteção do tempo de escrita: Seja acordando antes de todos, definindo horários inegociáveis, ou se isolando em um espaço próprio, autores produtivos protegem seu tempo de escrita como algo sagrado.
Conhecimento do próprio processo: Cada autor descobre o que funciona melhor para si: manhã ou noite, em silêncio ou com ruído de fundo, com metas de palavras ou de tempo. A auto-observação e a adaptação são cruciais.
Reconhecimento da escrita como trabalho: A inspiração é bem-vinda, mas a escrita é um ofício que exige dedicação, esforço e, muitas vezes, suor. Não é um passatempo que se espera a musa chegar. O romantismo que se criou em torno da escrita, muitas vezes torna-se uma armadilha para os novos autores. Sentar-se e concentrar-se em escrever, religiosamente todos os dias, é essencial para quem deseja ter nesta atividade a sua profissão.
Pausas e recuperação: Embora a disciplina seja fundamental, a capacidade de se afastar, relaxar e recarregar é igualmente importante para evitar o esgotamento e manter a criatividade fluindo. Muitos autores clássicos tinham atividades de lazer ou sociais bem definidas, e hoje, o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é ainda mais valorizado.
A produtividade literária não se baseia apenas em talento ou inspiração, mas sim em uma disciplina imutável na construção de hábitos consistentes e na proteção rigorosa do tempo e do espaço dedicados à criação.
Toda escrita exige concentração total, até mesmo este artigo, que agora você encontrou no site Página Seguinte. As ferramentas e o contexto mudam, mas a mentalidade e o compromisso com o trabalho permanecem a verdadeira essência da produtividade.
Leia mais: Grandes clássicos da literatura brasileira que você precisa ler