7 cordéis do Nordeste que encantam crianças e adultos

O cordel é muito mais do que uma forma de literatura popular — ele é uma ponte entre gerações, um elo entre tradição e criatividade, um retrato poético do Brasil profundo. No Nordeste, os folhetos pendurados em barbantes ganharam vida própria, narrando aventuras, críticas sociais, lendas, causos e sabedorias que atravessam o tempo. E o mais curioso: mesmo em tempos digitais, o cordel segue encantando leitores de todas as idades.

Com linguagem rimada, cadência envolvente e temas universais, o cordel agrada tanto aos pequenos quanto aos mais velhos. Seja em escolas, feiras culturais ou redes sociais, essas narrativas têm o poder de unir famílias, provocar sorrisos e despertar reflexão. A seguir, selecionamos 7 cordéis nordestinos que encantam crianças e adultos, com temáticas que vão do humor à fantasia, da história à educação, sempre com o toque afetuoso da cultura popular.

A história de João Grilo e Chicó

Um dos personagens mais icônicos do cordel brasileiro, João Grilo, ganhou notoriedade por sua esperteza, irreverência e humor afiado. A dupla João Grilo e Chicó aparece em diversos folhetos tradicionais, muitos deles adaptados do teatro de Ariano Suassuna, que se inspirou diretamente na literatura de cordel.

As peripécias da dupla envolvem trapaças bem-humoradas, críticas sociais disfarçadas de piada e lições sobre inteligência e justiça. É o tipo de cordel que agrada aos adultos pela sagacidade e às crianças pelo tom cômico e aventureiro.

A peleja de Severino contra Lampião

Baseado no estilo das “pelejas”, em que dois personagens duelam em versos, esse cordel traz um embate fictício entre um matuto corajoso e o famoso cangaceiro Lampião. A narrativa mistura história, lenda e fantasia com muito ritmo e imaginação.

É um ótimo exemplo de como o cordel pode ensinar elementos da cultura nordestina e ainda entreter com duelos rimados, cheios de astúcia e surpresas. A linguagem é acessível, o enredo prende o leitor e o final quase sempre provoca risos e reflexões.

O pavão misterioso

Um dos clássicos absolutos da literatura de cordel, “O pavão misterioso” é uma epopeia romântica e fantástica, escrita por José Camelo de Melo. Conta a história de um herói apaixonado que constrói uma máquina voadora em forma de pavão para resgatar sua amada presa em um castelo.

Essa narrativa tem o encanto das histórias de fadas, mas com o sabor da rima nordestina. Crianças se envolvem com o mistério e a magia, enquanto os adultos se encantam com a construção poética e a criatividade do enredo. Um verdadeiro clássico atemporal.

A chegada de Lampião no inferno

Outro cordel famoso que mistura crítica social, religiosidade e humor ácido. Nele, Lampião morre e é enviado ao inferno, onde enfrenta figuras diabólicas e questiona a ordem do submundo. A sátira é forte, mas o tom leve e bem-humorado conquista leitores de todas as idades.

Esse tipo de narrativa é ideal para apresentar temas difíceis de forma leve, além de estimular a interpretação crítica e o senso de justiça, algo que o cordel faz com maestria. Ao final, o leitor ri, pensa e quer reler.

A história da menina que virou sabiá

Cordéis voltados para o público infantil vêm ganhando força nos últimos anos, e esse é um excelente exemplo. Com linguagem doce e ritmo delicado, narra a história de uma menina que, por causa de um encantamento, transforma-se em sabiá e descobre o mundo pelos olhos da natureza.

É um cordel que trabalha sensibilidade, empatia e valores como amizade, liberdade e respeito à vida. Professores e pais costumam adotá-lo em projetos pedagógicos, por seu potencial de diálogo com temas ecológicos e emocionais.

O casamento de Maria com o Bicho-Papão

Misturando folclore e humor, esse cordel diverte pela irreverência. A história é absurda, engraçada e cheia de reviravoltas: Maria aceita se casar com o Bicho-Papão, mas as coisas não saem exatamente como ele imaginava. O final é sempre surpreendente e bem-humorado.

Ideal para ler em grupo, esse cordel estimula a leitura em voz alta, a performance e a interpretação teatral. As crianças se divertem com os personagens caricatos e os adultos se deliciam com as entrelinhas e críticas sutis.

A lenda do vaqueiro encantado

Inspirado em contos do sertão, esse cordel narra a história de um vaqueiro misterioso que aparece para salvar uma fazenda da seca, mas desaparece deixando sinais sobrenaturais. A obra mistura religiosidade, mito e poesia com elementos de suspense e heroísmo.

É o tipo de narrativa que desperta a imaginação das crianças e resgata nos adultos o gosto pelas lendas e pelos mistérios antigos. A figura do vaqueiro, tão emblemática no Nordeste, ganha aqui uma dimensão quase mágica, digna de herói folclórico.

O cordel é uma das formas mais autênticas e potentes da cultura brasileira. Ele consegue traduzir o cotidiano, o imaginário e a crítica social com leveza, rima e encantamento. Quando bem construído, ele atravessa idades, diverte e educa, fazendo com que a leitura seja prazerosa e significativa.

Crianças se encantam pelas rimas, pelas histórias e personagens cativantes. Adultos se surpreendem com a inteligência, a crítica e a atualidade dos temas. O cordel é, portanto, um patrimônio que merece ser lido, valorizado e passado adiante — pendurado no barbante ou compartilhado em tela de celular, ele continua vivo, forte e encantador.

Cordel Infantil – “São João no Sertão”

Autor: domínio público / tradição oral adaptada

No sertão do meu Brasil
Já se sente o alvoroço
É o São João que chegou
Com balão, milho e caroço
Tem quadrilha e tem forró
E o céu todo cheio de cor
Tem menino de bigode
E vestido com amor.

A fogueira já tá acesa
Pra esquentar o coração
Tem pamonha e tem canjica
Na casa do João Pavão
Dona Chica fez bolo
Com fubá e com melão
E o menino mais danado
Pulou alto o foguetão!

Tem chapéu de palha e fita
Bandeirinha pelo chão
Tem vestido rodopiando
Na dança do arrastão
O sanfoneiro começa
Com xote e baião no tom
E até a avó se anima
Sapateando com o Dom!

Todo mundo nessa festa
Fica alegre, satisfeito
É São João no sertão
Com fartura e com respeito
E quem chega só de olho
Sai com o prato bem cheio
Pois no São João do povo
Felicidade é o recheio!

Cordel: As Travessuras de João Grilo e Chicó

Autor desconhecido – adaptação popular em domínio público

Lá pras bandas do sertão
Onde o mato é bem fechado
Morava João e Chicó
Dois cabras bem engraçados
Um vivia de mentir
O outro, de ser danado.

João Grilo era miudinho
Mas valente no falar
Sempre tinha uma resposta
Pra poder se safar
Chicó dizia: “Sou medroso!”
E vivia a se queixar.

Certo dia resolveram
Na cidade trabalhar
Mas nenhum tinha um tostão
Pra poder se alimentar
João pensou com esperteza:
“Vamos logo improvisar!”

Inventou ser padreco
Com batina e oração
Disse que benzia cachorro
E vendia proteção
Chicó com cara de santo
Segurava o sermão.

Chegaram num mercador
Que tinha um cão de estimação
João disse: “Esse cachorro
Tá com praga no pulmão!”
O homem gritou aflito:
“Salve o cão, pelo amor de João!”

Deram banho no cachorro
Com água da bica santa
Chicó jogou o perfume
João fez cara de espanta
E cobraram do mercador
Uma moeda por garganta.

Mas não pense que parou
A história nesse dia
João Grilo e o seu parceiro
Fizeram mais picardia
Pregaram peça no padre
E até na freguesia!

Com a boca e com a rima
Se safavam da prisão
Sempre com muito respeito
Mas com boa intenção
Mostrando que inteligência
Vale mais do que brasão.

História de João Grilo

Autor: Leandro Gomes de Barros (Domínio Público)

Vou contar uma história
De um menino bem sabido
Chamado por João Grilo
Muito arteiro e atrevido
Morava lá no sertão
De cabeça, era entendido.

João era bem pobrezinho
Mas esperto como um cão
Não temia padre ou bispo
Nem doutor de profissão
Vencia tudo na fala
Com sua esperteza e razão.

Trabalhava numa venda
De um homem muito avarento
Que maltratava o coitado
Sem dó, nem sentimento
Mas João sempre arranjava
Uma forma e um argumento.

Certo dia, um freguês
Comprou queijo e não pagou
Disse: “Mande cobrar em casa”
E João logo escutou
Escreveu em letras grandes:
“Este calote ele deixou!”

O patrão ficou danado
Mandou João explicar
Ele disse: “É pra lembrar
Da casa e poder cobrar!”
E o velho, ainda furioso,
Teve que engolir sem falar.

Depois chegou um vigário
Pra comprar um bom leitão
Disse: “Pago só depois!”
João deu outra solução
Vendeu o bicho ao vigário
E entregou um papelão.

Era só pele e osso
E o vigário se ofendeu
Voltou pra cobrar o porco
Mas João não se comoveu:
“Digo à Vossa Reverendíssima
Que o milagre aconteceu!”

Disse que foi obra santa
Que o porco se levantou
Foi-se embora da palhoça
E da porta disparou
O vigário se benzeu
E mais nada perguntou.

João depois foi despedido
Pelo patrão, de raiva cheio
Mas saiu da venda rindo
Levando um pedaço de queijo
E disse: “Quem muito guarda
Sempre perde o que é alheio!”

Foi viver suas aventuras
Numa vila do interior
Enganou até um coronel
E o próprio governador
Com um jeito todo matuto
Mas de grande pensador.

E assim segue João Grilo
Na sua eterna invenção
Um herói do povo pobre
Com coragem e coração
Seu saber vence a mentira
E também a opressão.

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