O Salmo 70, atribuído ao rei Davi, é uma das orações mais curtas, diretas e intensas das Escrituras. Com apenas cinco versículos, esse trecho se destaca por sua urgência — não há tempo para preâmbulos, reflexões longas ou metáforas. É um clamor imediato, um pedido quase desesperado por ajuda. A súplica que abre o texto — “Apressa-te, ó Deus, em me livrar” — já revela o tom do salmo: alguém que está cercado por aflições e não vê saída, a não ser o socorro divino. Davi não pede ajuda para amanhã. Ele clama por agora.
Esse salmo é, na verdade, uma repetição quase integral de trechos do Salmo 40:13-17, o que reforça a ideia de que Davi reutilizava suas orações mais intensas em diferentes contextos, ajustando-as conforme a situação. É como se ele dissesse: “Essa oração já me salvou uma vez. Que ela o faça de novo.” Aqui, não há tempo para contextualizar o sofrimento: há pressa. Um tipo de urgência que muitas pessoas ainda sentem quando enfrentam situações-limite — desde momentos de perda até crises de saúde ou perseguições emocionais e espirituais. E por isso, o Salmo 70 ainda reverbera com força nos corações contemporâneos.
A estrutura do salmo é simples, mas poderosa. Primeiro, há o clamor pelo livramento imediato. Em seguida, Davi expõe que seus inimigos querem sua destruição e zombam dele. Depois, ele pede que esses inimigos sejam envergonhados e confundidos, que retrocedam os que se alegram com o seu sofrimento. Em contrapartida, ele deseja que todos os que buscam a Deus se alegrem e digam sempre: “Engrandecido seja o Senhor!” E, por fim, encerra com humildade: “Eu sou pobre e necessitado; apressa-te por mim, ó Deus! Tu és o meu auxílio e o meu libertador; Senhor, não te detenhas.”
Essa conclusão é uma das mais tocantes de toda a Bíblia. Davi, rei de Israel, reconhece-se pequeno, frágil, impotente diante de sua dor. Ele se despede não com heroísmo, mas com vulnerabilidade — e é nessa honestidade que o salmo ganha seu poder transformador. Ao invés de buscar fórmulas ou justificativas, ele simplesmente confessa: preciso de ajuda. Agora.
Na espiritualidade cristã contemporânea, o Salmo 70 continua sendo uma das leituras mais escolhidas por quem passa por momentos de desespero. Ele é usado em orações individuais, vigílias, encontros devocionais e momentos de luta pessoal. Seu valor não está apenas na beleza poética, mas na simplicidade do pedido. É um salmo sem floreios, sem rodeios. Ele não tenta convencer Deus com argumentos, mas com a verdade crua da necessidade humana.
Muitos que recorrem ao Salmo 70 afirmam encontrar nele consolo por justamente expressar aquilo que não conseguem colocar em palavras: a urgência de um milagre. A oração de Davi vira a oração do outro. Seus inimigos viram as angústias modernas — uma doença, uma dívida, uma depressão, um luto. E o “apressa-te, Senhor” volta a sair de bocas desesperadas ao redor do mundo.
É interessante observar também o tom coletivo que o salmo sugere. Embora comece com um pedido pessoal, ele logo se expande para incluir “todos os que te buscam”, desejando que se alegrem no Senhor. Isso mostra que, mesmo no meio da dor, Davi deseja o bem àqueles que também confiam em Deus. É um gesto de generosidade que contrasta com o desejo de confusão para seus inimigos. Em meio à angústia, ainda há espaço para desejar alegria ao próximo — um detalhe que revela a grandeza de espírito de quem ora.
No contexto bíblico mais amplo, o Salmo 70 funciona como uma ponte entre a dor individual e a confiança coletiva. Ele reforça a ideia de que a fé não elimina o sofrimento, mas transforma a forma como passamos por ele. Ter fé não significa nunca gritar por socorro — significa saber para quem gritar.
Nas leituras litúrgicas, o Salmo 70 é frequentemente associado a períodos de provação ou ao início de grandes decisões espirituais. Sua brevidade o torna ideal para orações rápidas, mas seu conteúdo o torna profundo o suficiente para sustentar meditações prolongadas. Ele cabe tanto em um suspiro quanto em um sermão inteiro.
Em resumo, o Salmo 70 é uma prova de que, às vezes, a oração mais poderosa não precisa ser longa nem eloquente. Ela só precisa ser verdadeira. Quando dizemos “Senhor, não te detenhas”, estamos entregando o controle, pedindo que Deus intervenha com urgência. E mesmo que a resposta não venha no tempo que desejamos, o simples fato de fazer essa oração já nos reconecta com a esperança.
Hoje, séculos após ter sido escrito, o Salmo 70 continua sendo esse grito necessário, um reflexo das dores humanas e uma ponte direta com o divino. Não importa se o leitor é religioso, espiritualista ou apenas curioso: esse salmo tem o poder de tocar algo íntimo em qualquer pessoa que já sentiu que precisava de ajuda, e precisava dela agora.
Salmo 70
1 Apressa-te, ó Deus, em me livrar; Senhor, apressa-te em ajudar-me.
2 Fiquem envergonhados e confundidos os que procuram a minha alma; voltem para trás e confundam-se os que me desejam o mal.
3 Voltem, como recompensa da sua vergonha, aqueles que dizem: Ah! Ah!
4 Folguem e se alegrem em ti todos os que te buscam; e aqueles que amam a tua salvação digam sempre: Engrandecido seja Deus.
5 Eu, porém, sou pobre e necessitado; apressa-te por mim, ó Deus. Tu és o meu auxílio e o meu libertador; Senhor, não te detenhas.

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